Depois da leitura das 218 páginas
da sentença na qual Sérgio Moro condenou Lula, não resta dúvida da principal
pergunta a ser respondida neste dia 24 de janeiro, quando ocorre o julgamento
do recurso do ex-presidente no TRF-4: pode alguém ser condenado mais por
convicção do que por provas?
Há muita torcida, muita
militância, é verdade, mas há também análises bem criteriosas questionando as
conclusões do juiz de Curitiba, sejam elas de articulista de esquerda, direita
ou mesmo de juristas. O texto de Moro, que deveria ser essencialmente técnico, parece
em muitos momentos com um manifesto político. É importante frisar: como pode um
julgamento tão importante deixar tantas dúvidas, passear por meras ilações e
deixar questões relevantes sem respostas?
A principal denúncia era de que Lula
recebeu o apartamento no Guarujá como propina após beneficiar a construtora OAS
em três obras da Petrobrás. Atenção: esta era a principal denúncia e elo
central da acusação. Sabe o que o juiz disse como resposta aos embargos de
declaração? Afirmou que em nenhum momento ele disse que o apartamento e as
reformas seriam resultado direto de propina das obras Petrobrás. Logo, não
demonstrou a origem da propina, se é que houve. Mais ainda, se a propina não
tem origem na Petrobras, o processo estaria indevidamente sendo julgado na
operação Lava Jato.
Mas há ainda mais falhas. Onde
está a conta geral de propinas do Partido dos Trabalhadores? Os R$ 16 milhões
alegados? Extratos, rastros, vestígios, malas, doações? A única prova seria a
delação de Léo Pinheiro que teria conversado sem testemunhas com Vaccari, então
tesoureiro do PT, momento em que teria sido combinado o uso de propina para
pagamento do apartamento que seria, mas nunca foi, do Lula. Outra observação
importante. Vaccari teria autorizado o uso da propina, mas sequer foi interrogado
neste processo.
Outro detalhe curioso da sentença
é a desqualificação das testemunhas de defesa. Moro diz que por falta de
conhecimento do assunto, pouco teriam a contribuir. Mas na condenação Moro diz
que Lula usou as nomeações na prática de corrupção. Logo, as testemunhas como
membros do governo ou políticos são importantes testemunhas. Da mesma forma, ao
ouvir testemunhas de acusação, alguns criminosos confessos, ele ressalta que
teriam valor tais depoimentos.
Não se ignora desencontros de
informações, de datas e documentos sobre o Triplex, bem como a reforma
excepcional contratada pela construtora. Também não se ignora que Lula, como
ex-presidente, e amigo do empresário da OAS, teria também um tratamento
diferenciado. Não se ignora que Lula tinha interesse na compra do apartamento.
E vamos além: não se ignora a promiscuidade das relações tanto do ex-presidente
quanto de seu partido com as construtoras corruptas. Isso posto, não se pode condenar
qualquer um sem provas. Não se condena nem com matérias de jornais ou com
ignorância de como funciona as nomeações num governo de coalizão.
Outra questão importante neste
momento do julgamento é a falsa polêmica de que se fere a democracia se Lula
estiver ausente do pleito. Fere a democracia condenações sem provas ou
espetáculos judicialescos, como muitas vezes ocorreu na Lava Jato. Este é o cerne
da questão. Se em algum momento o ex-presidente agiu ilegalmente, que pague exemplarmente
mas não parece o caso.
Apesar da longa sentença, e
apesar de Moro repetir que resta provada
a corrupção, não se conseguiu demonstrar. Não se afirma isso com alegria,
afinal importante operação deveria dar-nos somente orgulho, investigando,
julgando e prendendo quem quer que seja. Mas não se pode fazer isso a qualquer custo,
muito menos sem a demonstração cabal da culpabilidade dos réus. Resta agora ao
TRF-4 restaurar a ordem pois a condenação de Lula não se sustenta.
Por Leandro de Jesus
Foto: Arquivo/Agência Brasil